Para o projeto Estação Memória, sempre é tempo de relembrar

A Estação Memória é um projeto de pesquisa ligado à Escola de Comunicações e Artes (ECA), voltado à constituição de um dispositivo educativo intergeracional dedicado a trocas culturais entre crianças, jovens e idosos.
Foto: Divulgação | Estação Memória
Foto: Divulgação | Estação Memória

Se para alguns eles são conhecidos como a terceira ou a melhor idade, para a professora Ivete Pieruccini, do Departamento de Biblioteconomia e Documentação da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, e para os participantes do projeto Estação Memória, eles são velhos. O adjetivo, que nem sempre é encarado positivamente, é reapropriado por um grupo de pessoas interessadas em utilizar suas próprias memórias como ponte de comunicação entre gerações.

Em encontros que acontecem as quartas-feiras à tarde dentro da ECA, velhos se reúnem para relembrarem suas próprias memórias. Com idades que variam entre 80 e 90 anos, o grupo que preenche as salas de aula faz parte de uma iniciativa inédita no estudo da memória pela comunidade acadêmica.

A partir da troca entre os velhos são elaborados os chamados álbuns biográficos, relatos de memórias que ultrapassam a função de mero registro, e se transformam em instrumentos de aproximação com gerações mais jovens.

“A cada encontro, escrevem-se cartas que serão direcionadas a jovens das comunidades visitadas, assim como os álbuns”, explica a professora Ivete. “Temos que fazer um trabalho prévio, que geralmente consome 3 horas por semana, para que todos possam não apenas contar sua história como também estabelecer uma relação com os jovens estudantes”.

Foto: Divulgação | Estação Memória
Foto: Divulgação | Estação Memória

Por meio de passeios que vão além do espaço da ECA, os velhos da Estação Memória se reúnem com jovens de escolas ou entidades parceiras e, juntos, discutem seu passado e o presente dos alunos que, com a orientação de educadores, transformam os eventos numa oportunidade de aproximação de gerações distintas.

“Trabalhamos com entidades parceiras como a Fundação Salvador Arena, o Programa Educação Cidadã, a Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein e escolas da Rede Pública de São Bernardo”, revela Ivete. Além das reuniões dentro e fora da ECA, são organizados saraus sobre poesia e memória.

Como tudo começou

Nascido de um projeto de pesquisa do professor Edmir Perrotti em 1986, a Estação surgiu depois de uma conversa com uma senhora de idade que questionou o fato de algumas histórias sobre São Paulo serem divulgadas e outras não.

Foi a partir dessa indagação que o professor, também do Departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA, criou o projeto “Memórias do Baixo Pinheiros”, que reunia uma seleção de depoimentos de pessoas da região. A proposta era, além de dar voz a essas pessoas e suas memórias, estabelecer uma relação entre as experiências dos velhos com a vida dos mais jovens que ali habitavam.

Foto: Divulgação | Estação Memória
Foto: Divulgação | Estação Memória

A ideia, que começou como uma compilação de entrevistas, ganhou espaço físico somente em 1997, com a chegada da professora Ivete. Atuando na Rede de Bibliotecas Infanto-juvenis da cidade de São Paulo, Ivete conseguiu apoio da Secretaria Municipal de Cultura para criar um espaço em Pinheiros que sediasse não apenas os estudos e a coleta dos depoimentos, como também promovesse oficinas de memória.

Após a desapropriação do espaço ser ordenada pela Secretaria Municipal em 2008, sob protestos da comunidade e, em especial, dos velhos, o projeto “Estação Memória” encontrou apoio na Escola de Comunicações e Artes que, desde então, serve como sede para os encontros do grupo.

Uma história presente

Arualmente, a Estação conta com aproximadamente 40 participantes. “Temos oito ou nove participantes novos por ano, muitos vindos do Programa da Universidade Aberta à Terceira Idade”, conta Ivete. “Temos também baixas, uma ou duas, por ano. Por diversos motivos, inclusive falecimentos”.

Em 2013 foi inaugurado o blog do projeto que, por meio do incentivo do Edital do Programa “Aprender com Cultura e Extensão” da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão (PRCEU) da USP, acrescentou três bolsistas para registrar e publicar postagens sobre os encontros.

Neste ano, boa parte dos relatos se voltou para a questão dos imigrantes. “O que para o grupo dos velhos é não apenas relevante como essencial. Temos três italianos, além de espanhóis, portugueses e armênios”, pontua a professora. “Juntos, eles desenvolveram um álbum biográfico e um relato sobre memórias culinárias, que são trabalhados nos encontros intergeracionais”.

Foto: Divulgação | Estação Memória
Foto: Divulgação | Estação Memória

Dividindo suas memórias com os jovens, os velhos aprendem não apenas a valorizar seu passado enquanto fonte válida de informação, como também a lidar com a reapropriação de suas memórias por parte dos mais novos.

O próximo encontro acontece no final de outubro, dia 30, com a comunidade de Paraisópolis. O evento será inteiramente realizado pela internet, por videoconferência.

Para a professora, o trabalho com a tecnologia é imprescindível. “Acreditamos que ela seja uma condição para se estar no mundo hoje em dia”, salienta. “O encontro virtual é uma oportunidade de introdução dessa tecnologia. Parte disso serve como uma atualização dos velhos, não uma atualização artificial, mas algo que os motiva a querer se apropriar das tecnologias porque, atualmente, elas também permitem o estabelecimento de novas relações”. Após cada evento, os participantes do projeto fazem uma avaliação do encontro, explicando como cada atividade contribuiu para sua própria vivência.

“A Estação Memória atirou no que viu, e acertou no que não viu. Ela foi pensada para ser um dispositivo intergeracional, mas não imaginávamos a dimensão desse dispositivo como instância de socialização. O encontro com o outro se tornou o grande propósito do projeto”, afirma Ivete.

No mundo cada vez mais permeado por uma quantidade imensa de informações, “queremos explicar que nem sempre as informações obtidas por meios tradicionais são suficientes”, finaliza a professora. Enxergando os velhos como fontes informacionais que são únicas e precisam ser ouvidas, os responsáveis e participantes da Estação Memória reelaboram juntos os sentidos de suas vidas.

Mais informações: site http://estacaomemoria.blogspot.com.br/

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