Movimentar-se é uma ação exigida por praticamente toda atividade humana. No entanto, a ocorrência de algumas doenças pode provocar alterações em práticas aparentemente simples, como o andar. É o caso da diabetes, cujas complicações podem ocasionar perda de sensibilidade, problemas na circulação sanguínea, entre outros envolvendo os pés. O estudo dos movimentos patológicos, ou seja, dos movimentos que têm relação com alguma doença, são o principal objeto de pesquisa do Laboratório de Biomecânica do Movimento e Postura Humana (LaBiMPH).
Fundado em 2005 no Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional (Fofito) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), o LaBiMPH já realizou importantes pesquisas envolvendo, entre outras doenças, a artrose (doença degenerativa das articulações) e a diabetes, utilizando equipamentos que permitem analisar, por exemplo, como é feita a distribuição das cargas do corpo nos pés do paciente. Essa avaliação é feita a partir da biomecânica. Segundo a coordenadora do Laboratório, Isabel de Camargo Neves Sacco, trata-se do estudo do movimento humano a partir das leis da mecânica, ou seja, uma área que une os conhecimentos da anatomia e da fisiologia aos princípios da física.
Uma das linhas de pesquisa do Laboratório investiga a biomecânica do movimento de pacientes diabéticos com uma complicação crônica chamada neuropatia diabética, um tipo de lesão que acontece nos nervos do paciente quando ele está com altas taxas de glicose no sangue. Essa glicose é tóxica para os nervos, que ficam prejudicados e passam a conduzir menos estímulos elétricos para os músculos e para os sensores da pele. Com isso, “o paciente perde sensibilidade e deixa de sentir dor nas extremidades”, explica a pesquisadora.
Ao perder essa sensibilidade, o paciente passa a não perceber mais a forma como apoia o pé no chão, de modo que ele passa a distribuir seu peso de forma irregular sobre a planta do pé – a neuropatia, assim, impede o doente de sentir as dores que o impediriam de caminhar errado. Ao longo do tempo, o andar inadequado pode provocar deformações, calos e até mesmo úlceras nos pés dos diabéticos. “Essas ulcerações dificilmente são cicatrizadas, pois o paciente não deixa de andar. Além disso, a cicatrização também é um fator afetado pela doença”, alerta Isabel . A gravidade da neuropatia fica evidente nos casos em que é necessária a amputação de partes do pé.
Segundo dados do International Diabetes Federation (IDF), mais de 370 milhões de pessoas em todo o mundo têm diabetes, e mais da metade não sabe que tem a doença. Logo, muitos são os que estão suscetíveis às consequências da neuropatia diabética. “Uma pessoa com um caminhar normal tem picos de pressão no calcanhar, no antepé, e tem um considerável uso dos dedos para apoiar e empurrar o corpo enquanto anda. Já o diabético quase não tem apoio dos dedos, principalmente no hálux [dedão do pé]”, descreve Isabel. A sobrecarga na região do antepé estimula a formação de calosidades, que podem se tornar úlceras.
Tratamentos e prevenção
O estudo realizado pela LaBiMPH leva em consideração também a quantidade de músculo que os pacientes têm nos pés, pernas e coxas, já que a neuropatia, além de diminuir a sensibilidade do diabético, também faz com que menos estímulos nervosos cheguem aos músculos, resultando no menor uso dessas estruturas e na consequente atrofia.
O pé é formado por 25 músculos, 26 ossos, 57 articulações e 108 ligamentos, e todas essas estruturas devem ser exercitadas e estimuladas. Nesse sentido, a coordenadora do Laboratório adverte que os calçados especiais comumente recomendados aos diabéticos, além de caros, podem até mesmo ser prejudiciais aos pacientes.“O grande problema desses calçados é que o pé do paciente fica totalmente parado lá dentro, sem nenhum movimento. E se nós colocarmos nos pacientes esses calçados duros, rígidos, ele vai perder ainda mais função muscular, além da que já é perdida em função da neuropatia”, afirma Isabel.
“Nós fizemos um ensaio clínico de intervenção com cerca de 50 pacientes diabéticos. E com eles, fazíamos alongamentos, exercícios de fortalecimento, de equilíbrio e de treinamento de marcha para que o paciente aprendesse a fazer o rolamento correto do pé enquanto caminha”, comenta a pesquisadora, que é doutora em Educação Física. Depois de 12 semanas de tratamento, a distribuição das cargas no pé dos pacientes se mostrou mais efetiva, e assim eles passaram a utilizar melhor o apoio dos pés nas atividades do dia a dia.
Embora o estudo clínico já tenha se encerrado, o Laboratório pretende lançar uma plataforma online e interativa para o público, em conjunto com a Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo (Fatec-SP). Nessa plataforma, o diabético conseguirá passar informações sobre a sua doença e obter orientações de exercícios específicos que podem ser feitos em casa. O lançamento desse portal de informações está previsto para acontecer ainda neste ano. Ele será hospedado no próprio site do Laboratório. “Todo diabético tem que fazer fisioterapia, mas nem todo mundo consegue ter acesso a isso. Então, ao invés de falarmos ‘não compre o sapato e faça fisioterapia’, nós pensamos em divulgar ações de saúde de forma preventiva”, comenta Isabel.
Mais informações: (11)-3091-8426, site http://www.usp.br/labimph